OS TRÊS CONSELHOS (Conto Tradicional Português)
Um rapaz pobre tinha casado e, para arranjar a sua vida, logo ao fim do primeiro ano teve de ir servir uns patrões muito longe. Ele era bom homem e pediu ao amo que lhe fosse guardando na mão o dinheiro das soldadas. Ao fim de uns quatro anos já tinha um par de moedas, que lhe chegava para comprar um eidico, e quis voltar para casa. O patrão disse-lhe:
– Qual queres, três bons conselhos que te hão-de servir para toda a vida, ou o teu dinheiro?
– O dinheiro é sangue, como diz o outro.
– Mas podem roubar-to pelo caminho e matarem-te.
– Pois então venham de lá os conselhos.
Disse-lhe o patrão:
– O primeiro conselho que te dou é que nunca te metas por atalho, podendo andar pela estrada real.
– Cá me fica para meu governo.
– O segundo, é que nunca pernoites em casa de homem velho casado com mulher nova. Agora, o terceiro vem a ser: nunca te decidas pelas primeiras aparências.
O rapaz guardou na memória os três conselhos, que representavam todas as suas soldadas; quando se ia embora, a dona da casa deu-lhe um bolo para o caminho, se tivesse fome; mas pensou que era melhor comê-lo em casa, com a mulher, quando lá chegasse. Partiu o homenzinho do Senhor e encontrou-se na estrada com uns almocreves que levavam uns machos com fazendas; foram-se acompanhando e contando a sua vida e, chegando lá a um ponto da estrada, disse um almocreve que cortava ali por uns atalhos, porque poupava meia hora de caminho. O rapaz foi batendo pela estrada real e, quando ia chegando a um povoado, viu vir o almocreve todo esbaforido, sem os machos; tinham-no roubado e espancado na quelha. Disse o moço:
– Já me valeu o primeiro conselho.
Seguiu o seu caminho e chegou, já de noite, a uma venda, onde foi beber uma pinga, e onde tencionava pernoitar; mas, quando viu o taverneiro, já homem entrado, e a mulher, ainda frescalhuda, pagou e foi andando sempre. Quando chegou à vila, ia lá um reboliço; era a Justiça que andava em busca de um assassino que tinha fugido com a mulher do taverneiro, que fora morto naquela noite. Disse o rapaz lá consigo:
– Bem empregado dinheiro o que me levou o patrão por este conselho.
E picou o passo, para ainda naquele dia chegar a casa. E lá chegou; quando se ia aproximando da porta, viu, dentro de casa, um homem, sentado ao lume com a sua mulher! A sua primeira ideia foi matar ambos logo ali . Lembrou-se do terceiro conselho e curtiu consigo a sua dor; entrou muito fresco pela porta dentro. A mulher veio abraçá-lo e disse:
– Aqui está meu irmão, que chegou hoje mesmo do Brasil. Que dia! E tu também, ao fim de quatro anos!
Abraçaram-se todos, muito contentes, e quando foi a ceia para a mesa, o marido vai a partir o bolo e aparece-lhe dentro todo o dinheiro das suas soldadas. E por isso diz o outro, ainda há quem faça bem.
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, 1883